terça-feira, 22 de novembro de 2011

O Corvo e o Girassol






Acima, um imenso azul profundo e infinito céu. Pedaços brancos em nuvens escolhem seus lugares. A manta branco-anil cobre uma família de titãs montanhas e suas pelugens verdes. A cama é uma terra a pulsar sanguínea  e vermelha. Extensa, fértil, infantil e cúmplice. Corre eufórica na saia das montanhas e as árvores riem.
Eu rasgo os brancos e suas calmas. Contrasto e defino um azul e preto. As folhas largam seus brilhos esmeraldas, rastros de um passado traçado. Voo rápido. Na música da  terra. Sou negro e raio para iluminar. Sou fértil e movimento. Sou ímpeto, sou rabiscos. Sou corvo.
Entre o todo um oásis. Amarelo. Ouro, incandescente, fervente e vivo. Um largo lago de gotas amarelas. Um destoante vale de seres louros. Um vale de girassóis.
É aqui. Foi sempre aqui. Passo da corrida para o passo a passo. Da caça dos filhos da terra para o deleite dos sinuosos e fêmeos caules e folhas. É aqui onde começa e onde termina. Só me cabe aceitar a fome, o desejo. Cair na incerteza amarela mergulhada na doçura verde sob a calma azul e seu interno vermelho voraz.
Resta-me libertar sombras sobre o clarão da flor. Podia continuar. Mas, é simples quando não há possibilidade.
Desço. Rasgo voraz o tecido ar. Solto rastros negros na tela. O amarelo cresce adiante. Vazo. Entro. Em meio ao rasante, lascas amarelas passam aos cantos dos olhos. Girassóis esquivam-se assustados. Gritam, sussurram, praguejam, fofocam. Não ligo. Sei o que quero.
É repente que paro no ar. Imediato. Vinha reto, paro e pairo. Asas em câmera lenta. Estou diante dele. Meu girassol. Resta-me libertar sombras sobre o clarão da flor e ver que cor sai.
Meu, pois dele são meus olhos. Meu, pois da sua luz cunho a imagem. Meu, pois da sua semente faço meu grão. Meu, pois da minha negritude faço uma vela. Meu, pois da sua ideia, teço um verbo. Meu, pois o amor é egoísta.
Olhamos um para cada. A volta, os outros giram e fecham em pétalas dobradas. O meu girassol é contrariante. Alarga. Espalha. Empurra. Arregaça o ar. Aliás, desdobra.
É aqui, em meio à mancha uniforme amarela de uma platéia tímida, um girassol de pétalas flores e frutas surge aberto para um corvo.
E o corvo paira beija-flor. Diante do seu girassol vivo achado entre estátuas amarelas escandalizadas.
São mil batidas de asas. Mil pétalas arrepiadas. Girassol a lagrimar poeira ouro. Corvo olhando para o sol em busca de amarelo menor. São mil silêncios. São  mil suspiros.
Eu, corvo, choro. Solto uma pena negra. Meu girassol sorri. Poleniza nosso impuro  ar.
Mas, o sol é vivo. E o vivo se move. E meu girassol segue a vida. Vira-se para ela. E vira-se de mim.
Palavras. Palavras. Palavras. Faltam quando o instante é maior em dor e buraco. Meu mínimo seria um guincho desafinado em plágio never more.
E o tempo nem dá tempo. Disfarçado de vento arranca o corvo para longe.
O quadro fica na tela. A paisagem volta em suas cores e seus donos de outrora. Resta uma mudança. Sobre a terra, protegida pela paz verde, entre os pés amarelos, dormindo sob o azul e respirando vermelha. Resta uma pena.
Resta uma pena negra manchada de pólen amarelo.
Agradecimento especial a Filipe Zau. Gigante angolano de gargalhadas largas.
Ilustração original de Davi Bezerra (muito obrigado primo)

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. POHA FICOU MUI SHOW..!! H UUH U... OW VEINHA DE ARTISTA NE???! HEHEHEHE... TA NO SANGUE!!!! BJO TE AMO... ESPERO O PROXIMO PEDIDO DA ILUSTRA!!! :P

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  3. :D eu te abraço sempre. cúmplice em cores que não vejo, mas sinto.

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  4. Primo. Valeu mesmo a sua participação. Vão rolar outras sem dúvida.

    Mannu. Teu sorriso ontem iluminou minha semana. :)

    Ainda bem que sentimos, mesmo aà distância, nossa sintonia e cumplicidade.

    bj enorrrrme!!!

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